sábado, 1 de março de 2014

Com Lula ou com Dilma, a ventania seguirá


Charge de Amarildo

Sendo verdade que onde há fumaça há fogo, devemos ter dias trepidantes na cena política nacional no que diz respeito ao candidato que disputará as presidenciais pelo PT. 
O nome oficial continua a ser o de Dilma, que ainda surfa em bons índices de popularidade. Mas são muitos os indícios de que, nos bastidores, há quem lute por um retorno de Lula ao palco.
A impressão é de fogo de palha, mas a fumaça é espessa. Dilma desconversa, diz que está tudo bem, que nunca houve divergências, “a não ser as normais”. Lula demonstra preocupação e não se cansa de observar que Dilma é teimosa demais. Os desmentidos acrescentam pouco, não alteram as especulações.
Não conheço o argumento dos que defendem essa solução. Mas imagino por onde ele passa. Não se trata de medo de perder o poder, mas de medo de não se conseguir de volta as vantagens e as facilidades que se tinha com Lula. Não é a esquerda ou militantes petistas que pedem o retorno do ex-presidente, mas empresários, banqueiros e aliados da base governista, a começar dos peemedebistas. O que eles querem, antes de tudo, é ganhar massa muscular para pressionar Dilma e conquistar mais posições de força na próxima gestão, em nome do fortalecimento do pacto que vem sustentando os governos petistas desde 2002. Querem, também, deixar claro que não confiam na oposição, que não estão dispostos, ao menos por agora, a cerrar fileiras contra o governo.  Por via indireta, dizem que a oposição é fraca, não tem programa e suas lideranças ainda são pouco expressivas. Está muito aquém do que seria necessário para vencer uma eleição.
Os “sebastianistas” sugerem, portanto, que estão a fazer um movimento de renegociação de apoios. Com Dilma, o movimento encontraria dificuldades e os empurraria para perto da oposição. Lula descongestionaria, abriria novos espaços e daria novo fôlego a tudo.
A ação supõe que Lula, animal político por excelência, gerenciaria com mais competência as relações Estado-sociedade, acalmando tanto a movimentação social quanto o desarranjo e a pressão político-institucional, o que Dilma não tem conseguido fazer. É uma preocupação com o déficit de articulação e coordenação política que se evidenciou no país.  Preocupação, também, com o aumento dos riscos que decorreriam da continuidade da atual situação: riscos para a estabilidade econômica, a intermediação política, a continuidade das reformas, os arranjos político-sociais estruturados desde 2002 e, evidentemente, riscos para os negócios. Sem a resolução desse déficit, ficaria abalado o pacto informal entre as grandes empresas nacionais e multinacionais, os bancos, o agronegócio e a grande agricultura, a política tradicional e parte dos interesses organizados do mundo do trabalho.
A aposta é que Lula tem personalidade, estilo e biografia para caminhar nessa direção. Quer dizer, reuniria trunfos importantes para tentar um resgate daquilo que fez a fortuna de seus dois governos, atualizando-os à nova fase do país.
O problema maior é que precisamente por ter muita sagacidade e talento (além de muito capital político), Lula deve estar pensando se vale a pena entrar na disputa agora e por essa porta, ou seja, esparramando sangue interno. Ele precisaria sacrificar Dilma, o que não é fácil nem propriamente dignificante. E precisaria concorrer num quadro que não se mostra tão tranquilo assim, ou seja, no qual teria tantas possibilidades de vitória glorificadora, quanto de derrota.
A pergunta que fica é se basta um bom timoneiro para que o navio singre os mares. A qualidade da nave e da marujada também pesa, e quase sempre de modo categórico. O mesmo vale para a cartografia que orienta o capitão: um mapa malfeito, desatualizado ou imperfeito pode levá-lo na direção de rochedos implacáveis ou deixá-lo à deriva. No caso da política, o mapa é aquilo que costumamos chamar de projeto. E ele não existe de modo claro e suficiente.
Conclusão: com Lula ou com Dilma, a ventania seguirá firme pelas bandas do Planalto.

2 comentários:

  1. Excelente análise do professor Marco Aurélio! Há tempos venho procurando uma visão ponderada sobre o momento em que estamos singrando nesse mar nunca calmo da política nacional. Muito feliz a metáfora empregada pelo professor: "A qualidade da nave e da marujada também pesa,e quase sempre de modo estratégico." Síntese perfeita para ajuda a explicar a nossa situação enquanto nação. É esperar e ver os rumos que serão tomados.

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