segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Livros e comunidades políticas

          Sevan Melikyan, After Picasso's Three Musicians
Para quem vive de pesquisas, aulas e debates de ideias, um livro novo sempre é motivo de comemoração, de congraçamento e reflexão. Nenhum livro de política é fruto de trabalho isolado: ele nasce e cresce em diálogo com amigos, colegas de trabalho, aliados e adversários de ideias ou posicionamentos políticos. De algum modo é uma obra comunitária. Imbrica-se com a conjuntura do país e do mundo, com os humores da política e especialmente das ruas. Não é forjado na calma quieta de um gabinete.
Em As ruas e a democracia, que acaba de ser lançado, posso dizer que estive sempre em boa companhia. Este blog e as rodas no facebook me instigaram muito, pelos comentários recebidos. Muitos amigos me ajudaram – de viva voz ou por seus artigos e intervenções – a interagir com a realidade brasileira, os vaivéns políticos e a movimentação social.
Três deles me honraram de modo particular: Luiz Werneck Vianna, Renato Janine Ribeiro e Luiz Eduardo Soares. Além de me terem dado muito material de reflexão, escreveram lindos textos de apresentação do livro. Renato fez o prefácio, Werneck e Luiz Eduardo as capas. Agiram como amigos fraternos, em nome do pluralismo que tem marcado nossa amizade.
Eu não poderia me sentir mais homenageado.
O texto de Werneck Vianna, meu amigo de décadas e uma das minhas referências intelectuais, segue abaixo.
Este As Ruas e a Democracia nos chega em boa hora, vindo da reflexão do cientista social Marco Aurélio Nogueira sobre o movimento de junho, que rompeu com fúria a aparente calmaria da superfície da política e pôs por terra a ilusão de que estávamos no limiar do fim da história do Brasil. A política do conservar-mudando, insígnia da revolução passiva, em nome de um pragmatismo sem princípios, manteve, até então, a sociedade imobilizada politicamente, desde as elites empresariais aos sindicatos de trabalhadores, dos intelectuais à vida popular, por uma política de contínua cooptação dos seus quadros, lideranças e movimentos sociais, trazendo para o interior da malha estatal a tudo e todos, dando partida a mais um surto de modernização “por cima”.
Foi essa política regressiva – embora, retoricamente, apontasse em direção à mudança – que levou o PT a “mergulhar fundo no sistema”, segundo o autor, a quem ficamos devendo a exploração dos fundamentos da crise que nos ronda, que não necessariamente está fadada a conhecer um final feliz. O diagnóstico ponderado e cuidadoso que o leitor tem em mãos, não tergiversa em sua conclusão: “o PT tornou-se parte da crise”.
Mas sua análise evita o viés idiossincrático: nela está presente o reconhecimento de que “a sociedade brasileira mudou em profundidade” nessas últimas décadas de modernização, tornando-se “mais dinâmica e mais diferenciada, com mais mobilidade social, novas culturas e novas expectativas”. Os êxitos daí derivados, contudo, longe de legitimar a política dominante, teriam conduzido, em suas palavras, tal como se constata a partir dos acontecimentos de junho, a uma ultrapassagem do sistema político pela sociedade.
Nesse novo cenário, podem prosperar “visões especializadas”, éticas de convicção, mas não uma política que descubra a saída desse labirinto de ruas em que nos metemos. Com método, largueza de propósitos e equilíbrio, marcas registradas do autor, aí está o mapa que pode nos servir de guia para nos safarmos dele. 
Luiz Werneck Vianna
Professor/pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ)

Um comentário:

  1. Não sou especialista, mas adorei a reflexão que fez sobre as mobilizações de junho. Mas, gostei mesmo foi da dedicatória, que muito mais que uma dedicatória foi uma maravilhosa declaração de amor... Lindo!

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