segunda-feira, 22 de julho de 2013

Esquerda democrática, militantes e legados



Vale a pena explorar o efeito e a relevância que as teses democráticas de Armênio Guedes tiveram para a sociedade, a esquerda e a política brasileira
São Paulo, agosto 2010

Se o melhor comunismo -- democrático, de massas, flexível e politicamente lúcido -- pode ser simbolizado por algumas pessoas, Armênio Guedes ocupará lugar de destaque entre elas. Eis alguém de quem me orgulho de ser amigo. Quando o conheci, em 1980, ele era um experiente quadro do PCB. Fizemos juntos o jornal Voz da Unidade, ao lado de companheiros saudosos como Gildo Marçal Brandão e David Capistrano da Costa Filho, e de tantos outros.
Hoje, aos 95 anos, Armênio continua ativo e exibe a mesma lucidez política daqueles anos.
Por tudo o que ele simboliza e pelo papel que teve na elaboração democrática dos comunistas, Armênio é uma fonte e uma referência para o estudo crítico da política brasileira. Trata-se de uma lenda viva da esquerda comunista. Figuras como ele são imprescindíveis nesses tempos difíceis que atravessamos.
Saúdo com entusiasmo, por isso, o belo artigo que Luiz Sergio Henriques escreveu no Estadão  de hoje a respeito dele. O texto serve, também, como registro e apresentação do livro biográfico preparado pelo jornalista Sandro Vaia (Armênio Guedes. Sereno guerreiro da liberdade. Barcarolla, 2013). Um título que diz muito sobre o personagem.
Luiz Sérgio, que é um escritor de fino traço e uma das mentes mais arejadas e rigorosas da esquerda brasileira, faz uma bela homenagem ao legado de Armênio. Não se trata de louvação ou apologia, mas de diálogo crítico. Como não poderia deixar de ser, explora o efeito e a relevância que as teses democráticas de Armênio tiveram para a sociedade, a esquerda e a política brasileira, não tanto para o PCB em particular, pois o partido nem sempre soube ou teve como assimilá-las plenamente ao longo do tempo. Como Armênio participou intensamente da história política brasileira e acompanhou as principais discussões da esquerda no século XX, seu modo de fazer e de pensar política é pedagógico, carrega muitos ensinamentos e sugestões preciosas.
Como observa Luiz Sérgio, o livro de Vaia “convida simultaneamente a uma reavaliação do passado e a uma tomada de posição no presente” -- esta última sempre difícil, tensa e parcial. Legados importantes ajudam muito, ainda que não resolvam as dificuldades. De algum modo, fornecem-nos parâmetros para a abordagem dos “problemas um tanto opacos do presente”, especialmente opacos hoje, aliás, porque nos movemos num mundo em que a virtualidade se tornou real, reinventa a humanidade mesma do homem e difunde discursos e linguagens polissêmicas o tempo todo, sugerindo sem cessar a imagem de que a democracia pode ser vivida sem mediações institucionais ou organismos estáveis de representação. A ideia de que se tem aí, ao alcance da mão, uma “ágora eletrônica”, de que basta abrir espaços para que a população se manifeste e indique o rumo a seguir, de que toda crise é uma oportunidade de avanço pela esquerda, mesmo que sem projeto coletivo — essa ideia contém muito de incerteza, risco e romantismo, ainda que também de virtude. Para que a virtude prevaleça sobre a incerteza, a leitura realista das possibilidades abertas pela democracia e pela conflitualidade social é essencial.
O fato de se ter, hoje, de fazer política com outros ingredientes torna indispensável a apropriação crítica da história e dos legados. No mínimo para que não se percam os fios da história, mas também porque tudo, no fundo, é construção dialética: inovação, incorporação, superação.
Como escreveu Luiz Sérgio, “o caminho da fidelidade às regras do jogo democrático, como poderia ter sido em 1964 e como se patentearia nos anos da resistência, continua a ser a via mestra das mudanças substantivas, sem aventuras ou saltos no escuro. No velho PCB, em circunstâncias muito mais difíceis, pôde germinar um reformismo como o de Armênio Guedes. A esquerda hegemônica, hoje, está desafiada a fazer o mesmo”.
O artigo pode ser lido na íntegra aqui.  

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