Desenho de Oscar Niemeyer |
Oscar
Niemeyer foi um grande arquiteto. Fiel à essência da arquitetura, foi também um
humanista e um intelectual permanentemente atento à vida e às condições dos
setores mais pobres e excluídos. Comunista, militante do PCB, foi uma pessoa
grandiosa. Cultuou o moderno sem se descolar das raízes nacionais, emprestando
à arquitetura uma irreverência que ganhou mundo.
Seu
grande legado foi a arquitetura. O que ele fez com sua criatividade, com sua prancheta, projetou a arquitetura brasileira no mundo. Ajudou a embelezar a vida e as
cidades. Junto com outros gênios como Vilanova Artigas e Paulo Mendes da Rocha,
que seguiram trajetórias parecidas, ajudou a consolidar a arquitetura como uma
arte e uma técnica a serviço do homem.
Sua
morte em dezembro de 2012, aos 104, anos enseja muitas reflexões.
Como
costuma fazer habitualmente, Reinaldo Azevedo foi contra a corrente e desancou
Oscar Niemeyer em seu blog, reproduzindo artigo que escreveu quando o arquiteto
fez 99 anos. Antes da republicação, fez um comentário eloquente: "Morreu o arquiteto Oscar Niemeyer, aos 104 anos. Pensava e
escrevia coisas detestáveis. Dele se pode dizer o que disse Millôr Fernandes
sobre um colega seu de Pasquim: “Metade é gênio, e metade é idiota”.
Muita
gente concorda com isso e várias pessoas manifestaram-se em tons
parecidos com o de Azevedo. Acham que Niemeyer precisa ser criticado porque era comunista
dos brabos, ou pelo menos deveriam todos se lembrar disso para "colocá-lo
em seu devido lugar". Se o cara pensava mal, parte de sua obra deve ter
sido contaminada, parecem querer dizer, e alguns dizem mesmo.
Os
anticomunistas militantes, o pessoal mais à direita, que gosta de se apresentar
como "conservador", formam a parte mais ativa dessa linha de
avaliação. Invariavelmente, baixam o nível, pois sua forma de fazer crítica
política, estética ou ideológica jamais faz concessões ao bom gosto, à educação
ou ao refinamento. Outros, mais liberais, criticam o stalinismo de Niemeyer,
que o teria feito tomar posições equivocadas e falar besteira demais, ainda que
isso não sirva para desmerecer sua obra. Entre uns e outros, flutua Reinando
Azevedo: "A estupidez política de Niemeyer, que defendia regimes
homicidas, não condena a sua obra. Mas a sua obra também não absolve a sua
estupidez política".
É
uma discussão antiga e interminável essa. Cultura e política. Poderia um
reacionário escrever coisas da perspectiva generosa do homem, algo libertário
ou que mostrasse a verdadeira face da vida? Alguns filósofos marxistas, como
Lukács, responderam firmemente que sim, chamando isso de "vitória do realismo".
Os
que criticam o comunismo de Niemeyer deveriam proceder do mesmo jeito quando
analisassem sua obra de arquiteto.
Da
minha parte, mantenho tranquilamente a opinião de que Niemeyer teve
extraordinária importância na cultura brasileira e na arquitetura mundial. Mas
gostaria de acrescentar o seguinte.
Oscar
era mesmo meio stalinista. Um homem do seu tempo, que abraçou o comunismo como
um credo e o praticou de forma inflexível, agarrado às suas convicções e sem
arredar pé um centímetro delas. Foi pouco dialético, pouco arejado. Não o
conheci pessoalmente, mas acompanhei suas relações com o PCB durante os anos em
que atuei no partido e mesmo depois. Oscar jamais foi um renovador no âmbito partidário
ou do marxismo, nunca aceitou a ideia de democracia como valor universal,
sempre pensou que a revolução viria por uma explosão dos indignados e famélicos
do mundo. Acho que não entendeu as transformações que ocorreram no capitalismo
e no mundo moderno. Poderia ser criticado por isso, se fosse o caso.
Mas
não é o caso, pois Oscar jamais foi um político e muito menos um formulador
político. Tomou posições políticas muitas vezes de forma ingênua, passional,
fiel a suas convicções ou obediente às diretrizes partidárias. Não deveria,
portanto, ser criticado naquilo que julgam ser seu "pensamento
político", que nunca foi por ele formulado, explicitado ou esclarecido.
Ele atuou, digamos assim, como um pensador passivo, um repetidor. Na
arquitetura, porém, foi um criador, e aí está o seu legado.
É
isso, simples assim. Fazer um auê a esse respeito agora que o cara morreu é tão
primitivo e equivocado quando acender velas para ele e tratá-lo como um santo
ou alguém a ser canonizado. E não ajuda em nada a que se compreenda melhor seu
papel e especialmente o significado de sua arquitetura.
Caro Marco Aurélio, fico realmente impressionado com a tua capacidade de escrever cada vez melhor e de forma simples, elegante e direta. Como você bem sabe não sou uma pessoa dada a elogios fáceis. Neste caso, entretanto, posso dizer de "boca cheia e de alma lavada": ADOREI TEU COMENTÁRIO, QUASE UM ARTIGO. Do amigo, Pedro Luiz
ResponderExcluirCaro Marco Aurélio, fico realmente impressionado com a tua capacidade de escrever cada vez melhor e de forma simples, elegante e direta. Como você bem sabe não sou uma pessoa dada a elogios fáceis. Neste caso, entretanto, posso dizer de "boca cheia e de alma lavada": ADOREI TEU COMENTÁRIO, QUASE UM ARTIGO. Do amigo, Pedro Luiz
ResponderExcluirCaro Marco Aurélio, fico realmente impressionado com a tua capacidade de escrever cada vez melhor e de forma simples, elegante e direta. Como você bem sabe não sou uma pessoa dada a elogios fáceis. Neste caso, entretanto, posso dizer de "boca cheia e de alma lavada": ADOREI TEU COMENTÁRIO, QUASE UM ARTIGO. Do amigo, Pedro Luiz
ResponderExcluirPedro, vc é um gentleman e só posso agradecer tuas palavras. Niemeyer precisa ser compreendido como um todo e o texto foi feito com a intenção de incentivar isso. Muito obrigado, abraço
ResponderExcluirMeu caro, você merece os elogios e muito mais. Com toda a minha sinceridade, a partir de alguém que teve um razoável e agradável convívio pessoal e intelectual com o Professor: você é, talvez um dos intelectuais que melhor escreve e descreve idéias complexas de forma simples, não simplista. Um único exemplo: compare teu texto com o do brilhante, porém hermético, Professor Giannotti. Abraços.
ResponderExcluirNiemeyer, tal como Jorge Amado, e outros,fizeram-se homens e cidadãos nos anos 20 a 30 do século passado. Que conjuntura histórica! Conheci muitos que se mantiveram estalinistas até à morte. Era a coerência dos anos de chumbo! Eu, por exemplo,aos 15 anos já era militante do PCP para poder lutar realmente contra o fascismo em Portugal. Contudo, meu avô, antifascista social-democrata, sempre me preveniu que "em Portugal vigora um comunismo branco e na URSS o vermelho". Demorei anos para compreender sua advertência!
ResponderExcluirParabéns Marco Aurélio pelo seu texto e saudações amigas de Coimbra do Rogério Leitão.