Independentemente
dos candidatos que sairão vitoriosos das urnas do segundo turno das eleições
municipais, a democracia brasileira dele emergirá em boa forma física.
Eleições
são sempre um teste para a qualidade da democracia. Ajudam a que se visualizem
as falhas e virtudes do sistema político. Fornecem um observatório para que se
estudem os humores e expectativas sociais, o sucesso ou insucesso das políticas
públicas, os traços da cultura política que orienta a luta interpartidária, os projetos
de sociedade que estão sendo oferecidos pelos políticos e por seus partidos.
As
disputas desse ano ocorreram em clima de “normalidade” e é de se esperar que os
vitoriosos sejam diplomados, tomem posse e recebam, ao menos nos primeiros
meses, a confiança e o apoio do conjunto da população. Em 2012 a sociedade deu mais um passo em
direção à consolidação de sua democracia, processo esse que passou pelo declínio
da ditadura militar, pela Nova República de 1985 e pela elaboração da nova
Carta Constitucional em 1988 e foi-se afirmando eleição após eleição, governo a
governo. Três décadas depois, o país se transformou e está muito melhor em
termos políticos.
Pode-se
associar a esse processo a valorização dos órgãos superiores do Estado. O
prestígio adquirido pelo Supremo Tribunal Federal surge aqui como maior exemplo,
graças em parte ao julgamento do mensalão. Nesse episódio, trabalhando em meio
a um tiroteio de aplausos e apupos, o Tribunal escudou-se na interpretação da
Constituição e do Código Civil para avançar no combate à corrupção e a alguns
dos maus hábitos que fragilizam a República e o Estado democrático. Sua
mensagem ainda não chegou à corrente sanguínea da sociedade, pois depende de
novos passos, de reformas institucionais estratégicas e do julgamento de outros
casos semelhantes. Mas foi dada.
Muitos
criticaram a coincidência do julgamento com as eleições, o rigor das sentenças
e a doutrina escolhida pelos juízes para fundamentá-las. Viram no julgamento um
fator de arbítrio e “exceção” utilizado para prejudicar o Partido dos
Trabalhadores. No entanto, como escreveu o governador Tarso Genro (PT), do Rio
Grande do Sul, “seu resultado não está manchado de ilegitimidade: os
procedimentos garantiram a ampla defesa dos réus e, embora se possa discordar
da apreciação das provas e da doutrina penal abraçada pelo relator, a
publicidade do julgamento e a ausência de coerção insuportável sobre os Juízes
dão suficiente suporte de legitimidade à decisão da Suprema Corte”. Reclama-se
que o julgamento foi mais político que jurídico, mas não se leva em conta que
“todo Estado de Direito tem espaços normativos amplos para permitir-se, com
legitimidade, tanto condenar sem provas como absolver com provas, nos seus
Tribunais Superiores. Nas decisões das suas Cortes, às vezes predomina o
Direito, às vezes predomina a Política. O patamar da sua decisão legítima é
alcançado, então, não somente através das suas instâncias jurídicas de decisão,
mas – nos seus casos mais relevantes – na esfera da política, por dentro e por
fora dos Tribunais”. (Carta Maior,
22/10/2012).
Exprimindo
a desigual maturação da democratização, os embates do segundo turno foram
particularmente pobres em conteúdo. As campanhas concentraram-se em estratégias
“mercadológicas” de ataque e defesa. Particularmente na cidade de São Paulo, esse
rebaixamento atingiu proporções dramáticas.
Na cidade em que se pode encontrar tudo, não se conseguiu achar a
política com “P” maiúsculo.
A
disputa entre PT e PSDB teria inevitavelmente que ocorrer em doses elevadas, ainda
que pouco houvesse de substantivo a diferenciar os combatentes. Mas foi vivida
como se se estivesse a decidir a derradeira batalha de uma guerra que se deseja
sem-fim porque se imagina que é ela que organiza a política nacional.
Donde
a manifestação de um efeito colateral: o segundo turno paulistano pode ter sido
o último suspiro de uma oposição que pretendeu ser (e em alguns momentos da
história chegou a sê-lo) a opção mais qualificada seja para a superação do
velho Brasil de caciques oligárquicos e barões patrimoniais, seja para o
oferecimento de uma alternativa à ascensão do PT.
Sem
discurso, sem equilíbrio, rumo e discernimento, com excesso de fel e
ressentimento, a campanha de Serra desmereceu sua biografia política e deve ser
diretamente responsabilizada pela dificuldade que teve de agregar votos. Muitos
de seus eleitores no primeiro turno devem ter condicionado a confirmação do
voto a uma mudança positiva na qualidade de seu desempenho, o que não aconteceu.
O
ocaso do PSDB como partido de proposta e projeto pode conviver com sua
sobrevivência como legenda eleitoral e mesmo com a afirmação de candidatos
competitivos a ele vinculados, como é o caso de Aécio Neves. Mas significa o
aniquilamento de um patrimônio e impõe um repto ao PSDB: renovar-se
radicalmente ou perecer. Terá efeitos no universo político, incentivando
deslocamentos de expectativas e lealdades. Em termos imediatos, expressará o
encolhimento da oposição ao predomínio do PT, embora não represente a abertura
de um céu de brigadeiro no país, dada a preservação das coalizões sem eixo
programático e vínculos de identidade. Mesmo na base governista os partidos
continuarão a brigar entre si, ora por motivos nobres, mas quase sempre pelo
controle de mais recursos de poder.
Para
nossas cidades, o período que se abrirá com o fechamento das urnas não deverá
introduzir mudanças categóricas. Poderá haver melhor desempenho governamental
em alguns municípios, mas nada sugere que se revolucionará a gestão urbana,
processo que, de resto, se espalha por períodos longos e requer a combinação de
muitos fatores, que estão ausentes no contexto atual. Em termos da dinâmica
política do país, porém, há indícios suficientes de que um novo ciclo se iniciará.
[Publicado em O Estado de S. Paulo,
27/10/2012, p. A2)
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