quarta-feira, 31 de março de 2010

Um ano para Nabuco


Joaquim Nabuco morreu em janeiro de 1910, quando ocupava o cargo de embaixador do Brasil em Washington.

Havia retornado á diplomacia na virada do século, depois de ter ficado no ostracismo com a chegada da República em1889, ele que era monarquista e havia acumulado muitas afinidades com a dinastia dos Bragança e o ritual mais pomposo do parlamentarismo monárquico. Vivera preocupado com o risco de que a República, sem quadros dirigentes bem preparados e tendo de se fixar num território gigantesco e mal povoado, derivasse para algum tipo de tirania ou entregasse o país às oligarquias. Tentou combatê-la, mas não havia ressonância monarquista confiável no país. O golpe de Deodoro da Fonseca o desnorteou. Voltou-se então para si mesmo, dedicando-se a escrever sobre a vida de seu pai e a elaborar suas próprias memórias.

Dessa fase de quase reclusão resultaram dois grandes livros, Um Estadista do Império e Minha Formação, obrigatórios em qualquer brasiliana que se preze.

Antes da República, Nabuco apostou todas as fichas no abolicionismo. Fez o melhor diagnóstico dos males e desdobramentos do trabalho escravo. Percebeu que a escravidão deformava a sociedade e proibia o progresso, além de ser indigna e corromper hábitos, pessoas e costumes. Foi radical naquele momento, procurando ir às raízes do problema social brasileiro para abordá-lo de maneira abrangente, mediante um ousado plano de reformas concatenadas (trabalho livre, educação universal, democratização da propriedade da terra, previdência social, federalismo), que não saíram do papel. Acreditou, ingenuamente, que a Monarquia seria salva pelo 13 de Maio, que escravos e pessoas de bem seriam eternamente gratos ao Trono e o apoiariam de modo incondicional. Ficou decepcionado com os acontecimentos e com a forma como se deu o fim da Monarquia, na calada da noite e sem resistência. Acabou saindo de cena, para depois se reconciliar com a República e voltar à cena pública, como diplomata.

Tive a oportunidade de realizar longa pesquisa sobre a figura e o pensamento de Nabuco, e desde então nunca mais deixei de me interessar por sua trajetória e pelas possibilidades que ela nos oferece de continuar pensando o Brasil. O livro acaba de ser reeditado pela Paz e Terra, com o título de O Encontro de Joaquim Nabuco com a política: as desventuras do liberalismo.

Nabuco foi abolicionista, monarquista, deputado, memorialista, historiador, diplomata, escritor talentoso. Protagonizou um período de importantes mudanças no país e no mundo. Sua trajetória foi sinuosa, composta por etapas que se negam mas também se integram e completam. Radical no abolicionismo, tornou-se mais conservador depois da República, mas manteve, por exemplo, a mesmo paixão pelas belas causas, capazes de empolgar uma nação e fazer sentido como pleitos de história universal, a mesma disposição de estilizar as operações em que se envolveu. Viu na libertação dos escravos e, depois, na união das Américas sob direção norte-americana, duas dessas bandeiras. E buscou brigar por elas.

Sua trajetória e especialmente o modo como se engajou na abolição são um convite precioso para que continuemos a interrogar o Brasil e o comportamento de nossos políticos.

Nabuco mergulhou na sociedade, em suas raízes, para ver como a organização e o funcionamento do mundo social condicionava todos os passos e âmagos da vida nacional. Percebeu como poucos que a escravidão fornecia o ar que a sociedade respirava, invadia e degradava tudo, fato que a convertia no maior e no principal problema a ser enfrentado. Sem sua eliminação, nada se resolveria de modo satisfatório.

Deixou um legado raro: a de um político e intelectual de formação liberal que soube descer às catacumbas sociais e “visitar a nação em seu leito de paralítica”. Pôs-se à frente do liberalismo do seu tempo, demonstrando que liberais coerentes podem abraçar a questão social, ou ao menos não se omitir diante dela.

Nabuco certamente tem algo a nos dizer sobre as questões e os dilemas com que nos debatemos hoje, em nossa República consolidada, antes de tudo sobre o modo como temos praticado (ou não) a reforma social e buscado construir uma sociedade que inclua de fato todos os seus integrantes. Terá sido ele uma exceção, um liberal atípico, ovelha negra de uma família ideológica inteira que flutuou sobre as questões mais candentes da constituição da nacionalidade ou que as considerou exclusivamente en passant, sem o devido empenho e a necessária radicalidade? Ou sua própria sinuosidade reflete à perfeição as oscilações do nosso liberalismo espasmódico, ora sensível à agenda social, ora alheio a ela?

Como pude escrever na nova edição do meu livro, “a agenda política de Nabuco – a reforma social, a democracia política, a cidadania, o desenvolvimento da nação – permaneceu a demarcar a vida brasileira durante todo o século XX e chega viva ao inicio do século XXI”. Ela nos ajuda a compreender “uma impressionante linha de continuidade histórica, que nos fez chegar ao século XXI com um país economicamente poderoso mas socialmente deplorável, no qual a concentração da riqueza ultrapassa qualquer patamar razoável e a repartição da renda chega a indignar”.

Nabuco pode nos ajudar, também, a perceber que a política brasileira atual não poderá prescindir dos liberais, mas não avançará se os liberais não ganharem vigor e coerência doutrinária. Se permanecer o liberalismo espasmódico que tem prevalecido em nossa história – ora impetuoso e reformista, ora indiferente e antidemocrático, em alguns momentos traduzido como liberalismo político, em outros aprisionado pelo laissez-faire –, a política como um todo sairá perdendo.

No mínimo por isso, mas também porque o personagem vale a pena, o ano de 2010, centenário de sua morte, é uma excelente oportunidade para conhecê-lo melhor, continuar investigando sua trajetória sinuosa e decifrando sua personalidade. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 27/03/2010, p. A2].

sexta-feira, 26 de março de 2010

Pela sobrevivência do IUPERJ

No dia 22 de março passado reuniram-se no IUPERJ representantes de Associações Científicas e de Programas de Pós-Graduação com o intuito de apoiar a causa contra a extinção da instituição.


Nesta reunião foi elaborado um abaixo-assinado dirigido às várias autoridades que têm responsabilidades em nossas áreas de atuação, documento que está sendo encaminhado pela Associação Nacional de Pós-graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), tendo sido assinado por várias instituições, dentre as quais a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).


As instituições interessadas em apoiar a causa do IUPERJ e estão de acordo com o abaixo-assinado (Pela Sobrevivência do IUPERJ), podem fazê-lo enviando um email (apoio@iuperj.br) com o nome da instituição e o do responsável pela assinatura que serão integrados ao texto do abaixo-assinado.


As pessoas físicas devem clicar no link WWW.iuperj.br/abaixoassinado que traz a Carta Aberta dos professores do IUPERJ e se estiverem de acordo devem registrar as informações solicitadas (CPF e email são solicitados para evitar fraudes na assinatura, mas não serão divulgados).


Devemos nos esforçar para dar a maior divulgação possível a essa campanha. O IUPERJ é um patrimônio das ciências sociais brasileiras e do melhor pensamento crítico. Não pode simplesmente desaparecer.


Abaixo, segue o texto das associações científicas.





Rio de Janeiro, 22 de março de 2010.

PELA SOBREVIVÊNCIA DO IUPERJ

O IUPERJ – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – há 40 anos, vem formando mestres e doutores em Ciência Política e Sociologia. Durante todos esses anos também se distinguiu pela qualidade de suas pesquisas nas duas áreas. Neste momento, a instituição corre o risco de desaparecer. Seus professores não receberão os salários do ano em curso. A Universidade Candido Mendes, sua mantenedora, já o deixou claro.

A comunidade acadêmica brasileira considera inaceitável a extinção do IUPERJ, uma instituição de excelência, que tem obtido as mais elevadas avaliações das agências de fomento à pesquisa e ao ensino de pós-graduação.

Nós, abaixo assinados, vimos, por meio desta, demandar às autoridades públicas do Governo Federal – os Ministérios de Ciência e Tecnologia e da Educação, especialmente a Finep, o CNPq e a Capes; do Governo Estadual – a Secretaria de Ciência e Tecnologia e a Faperj, e do Governo Municipal que lancem mão dos instrumentos disponíveis para viabilizar a remuneração dos docentes do IUPERJ enquanto perdurar esta situação emergencial.

Trata-se efetivamente de uma situação emergencial. O IUPERJ submeteu ao Ministério de Ciência e Tecnologia a proposta de sua transformação em Organização Social. Com a aprovação deste pleito, a sobrevivência da instituição estará garantida no longo prazo.

No curto prazo, o quadro é dramático. A continuidade dos trabalhos da instituição depende de aporte imediato de recursos. É o que esperamos.

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS (ANPOCS) – Maria Alice Rezende de Carvalho
ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS – Gilberto Velho
SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA (SBPC) – Otávio Velho
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL – MUSEU MUSEU NACIONAL – UFRJ – Gilberto Velho
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIÊNCIA POLÍTICA – Fabiano Santos
SOCIEDADE BRASILEIRA DE SOCIOLOGIA – José Ricardo Ramalho
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS – PUC-RIO – Eduardo Raposo
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS – PUC-RIO – José Maria Gómez
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA – UFRJ – Elina Pessanha
FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA – Isabel Lustosa
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS E DA SAÚDE / FIOCRUZ – Maria Rachel Fróes da Fonseca
ISER – INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS DA RELIGIÃO – Leilah Landim
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO – UFF – Marcelo Mello
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE – CPDA – UFRRJ – Maria José Carneiro
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS ESTRATÉGICOS DE DEFESA E SEGURANÇA – UFF – Eurico Figueiredo

quinta-feira, 25 de março de 2010

Uma década que valeu a pena ter vivido


A homenagem prestada pelo Departamento de Ciência Política da USP a Gildo Marçal Brandão foi emocionante. À altura do personagem.

Centenas de pessoas se aglomeraram no anfiteatro da História, na tarde do dia 19 de março, para recordar o colega, amigo e companheiro. A banca que o examinaria no concurso de Professor Titular estava presente e pela palavra de Gabriel Cohn, seu porta-voz, tornou público o que todos esperavam: “Entende esta comissão que, por sobrados méritos, cabe a Gildo Marçal a condição de professor titular da USP, e que, doravante, toda referência a esse nosso muitíssimo prezado e saudoso colega deverá ser como titular, que ele aqui passa a ser, por méritos substantivos ainda quando não por designação formal”.

Na ocasião, ao lado de outros, fiz um pequeno depoimento, que reproduzo abaixo.

Não sabemos bem de que modo nascem e crescem as amizades.

Sabemos que partem de pequenas e sucessivas aproximações, afinidades e contrastes que se atraem. Depois, ganham vida própria. Um belo dia, certas pessoas se convertem em parceiras do destino de outras. Incorporam-se à experiência delas.

São famosas as duplas, ou trios, ou quartetos, de amigos que se completam, se complementam e se negam a vida inteira.

Amizades também são feitas de silêncios, hiatos, distâncias, crises, brigas e esquecimentos. São humanas, dinâmicas, contraditórias, imperfeitas. Carregamos muitas culpas por falhas ou desatenções nesse terreno.

Há amigos de diferentes tipos, gêneros e graus. Amigos de parte da vida e amigos da vida inteira. Alguns que colam em nossa trajetória e com ela se confundem, e amigos que a acompanham mas não se envolvem. Há amigos e conhecidos. Todos nos causam sentimentos de afeição, ternura ou simpatia, sua presença ou lembrança nos agradam, ainda que possam também nos irritar em um ou outro momento. Muitos se tornam tão presentes e entranhados em nossa marcha que muitas vezes nem percebemos direito que eles existem, como se fossem uma paisagem especial ou um dado da natureza. Esquecemos algumas pequenas cortesias e certos gestos mais prosaicos de afeto e gentileza, por exemplo.

Tive a sorte e a felicidade de ter amigos desse tipo especial. Gildo Marçal Bezerra Brandão, professor do Departamento de Ciência Política da USP, foi um deles, especialíssimo. Éramos tão amigos e fizemos tantas coisas em conjunto – coisas que se misturaram umas nas outras – que me sinto estranho ao tentar homenageá-lo nesse momento.

Gildo foi um intelectual e um militante da grande política que nunca torceu o nariz para a pequena política.

Houve uma década em nosso relacionamento que certamente valeu a pena ter vivido. Creio que Gildo pensava do mesmo modo, tantas foram as vezes que conversamos a respeito.

Foi a década entre 1974 e 1983.

Nós nos conhecemos na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, na Rua General Jardim, Vila Buarque, centro da cidade. Dois jovens recém-diplomados, de esquerda. Gildo vindo do nordeste, com a cuia, uma mala cheia de livros e muitas idéias na cabeça. Era formado em filosofia, admirador de Hegel e do Padre Henrique de Lima Vaz. Eu acabara de me bacharelar em Ciências Sociais e estava aberto a todas as influências. Queria ser marxista, como ele. Queríamos ambos ser comunistas.

Depois de alguns anos de muitas bebedeiras e conversas – como bebemos naqueles anos! –, participamos juntos da criação em 1976-1977 da revista Temas de Ciências Humanas, patrocinada pela editora de Raul Mateos Castell. Era um projeto ambicioso: organizar um espaço para a intervenção teórica dos marxistas, em plena ditadura. O conselho editorial era composto por nós dois, mais José Chasin e Nelson Werneck Sodré, com Raul Mateos onipresente.

Mas a revista tinha uma alma e um motor. Talvez Gildo fosse a alma e eu, o motor. Fazíamos de tudo, da redação aos contatos, à divulgação e à agitação. Publicamos coisas importantes, e acredito que a revista representou algo de relevante naquele contexto.

Houve algum sectarismo nela, também, certo distanciamento presunçoso em relação à política. Durante os primeiros anos, para nós, a frente de batalha era metodológica, filosófica. A unidade não se fazia na política, mas na teoria, ou melhor, no terreno doutrinário.

Havia uma questão subjacente: o partido comunista. Ele não estava na revista, mas de certo modo fazia sentir sua presença. Era uma espécie de referência para nós. O que fazer para ajudá-lo a resistir, a sobreviver, a voltar a ter atuação na política nacional? Acreditávamos que ao menos parte daquele movimento dependia do alcance de uma teoria social competente, rigorosa, capaz de fazer frente às teorizações “apolíticas” e “acadêmicas” que circulavam então, e cujo centro gerador achávamos que estava na USP.

A partir do seu quinto número – que publica em separata um artigo de Marcelo Gato, então deputado e sindicalista vinculado ao PCB – a revista começa a se abrir para a política. Gildo teve papel decisivo nisso, imprimiu um ritmo firme, impulsionou a revista para a frente democrática que então se constituía e crescia.

Pagamos certo preço por essa inflexão. Temas aproximou-se da vida partidária e não teve como escapar da luta interna que atravessou o PCB por volta de 1980. Sobreviveu até 1981. Dez belos números. Em seus anos finais, porém, eu e Gildo já não estávamos mais tão presentes. Fomos fazer outras coisas.

Outras coisas não, uma só coisa, absorvente: o jornal Voz da Unidade, que teve em Gildo um de seus organizadores e seu primeiro editor-chefe, entre 1980 e 1981.

A possibilidade de fazer um jornal comunista explícito, legalizado, foi uma experiência que ninguém esquece. Para o bem e para o mal. Não foi uma experiência com certeza uma experiência doce e tranquila. Houve muita briga, muita tensão, rupturas e divergências. Mas o saldo foi positivo, valeu por uma década inteira de formação política e intelectual.

Quando Gildo saiu da chefia, eu o substituí. Não estávamos propriamente com as mesmas posições. Ficamos um tempo com as relações esfriadas, deixamos de nos freqüentar. Mais um ano e eu também saí do jornal, que em boa medida passou para o controle estrito das direções do PCB.

A Voz da Unidade foi uma tentativa de oxigenar o universo comunista brasileiro. Não é o caso de fazer o balanço da experiência aqui, mas diria que parte do programa que tínhamos para o jornal foi alcançada. Muitos jovens comunistas fizeram a cabeça lendo e distribuindo o jornal. Mas o comunismo brasileiro como um todo não se oxigenou, não passou para outro patamar cultural, não melhorou sua performance organizacional, teórica e política. Perdeu-se nas entranhas e nos desdobramentos da redemocratização.

O que se seguiu depois é o que nos reúne aqui hoje. Gildo perambulou como free-lancer e em 1989 ingressou como professor no DCP da USP. Tornou-se um scholar, um pesquisador, uma referência em sua área de trabalho. Nossa amizade se refez e se ampliou, ficou consolidada, virou história.

Gildo percorreu um périplo rico, que o engrandeceu e o satisfez. Nunca se trancafiou em torres de marfim, não deixou de olhar para a política cotidiana, a pequena política, a que move as pessoas em seu dia-a-dia. Viveu a vida intensa e generosamente.

Perdeu algumas batalhas, mas nenhuma guerra.

terça-feira, 16 de março de 2010

A força do voto feminino

Participei domingo passado, dia 14 de março, do programa Em questão, na TV Gazeta, coordenado pela jornalista Maria Lydia Flandoli. Discussão interessante.
Maria Lydia convidou Marta Suplicy e a mim para pensarmos um pouco sobre a força do voto feminino. Está no YouTube, prá quem se interessar. O assunto é quente, não somente porque as mulheres representam hoje a maioria do eleitorado brasileiro, mas também porque as próximas eleições terão, salvo acidentes de percurso, ao menos duas mulheres postulando a Presidência da República.
O programa explorou a questão sobre diferentes ângulos. Está a sociedade brasileira preparada para ser governada por uma mulher? O eleitor ainda resiste a votar numa política? Que impacto a maior presença das mulheres terá nos discursos de campanha e nas estratégias dos candidatos?
Vale a pena ver os vídeos, que estão divididos em 5 partes, correspondentes ao conjunto do programa.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Gildo Marçal Brandão: itinerário(s)

Na sexta-feira dia 19 de março, o Departamento de Ciência Política da USP prestará uma homenagem ao professor Gildo Marçal Brandão, recentemente falecido. A data coincide com a que estava previamente marcada para ser a defesa final do concurso para Professor Titular que Gildo prestaria.

Será uma excelente oportunidade para manifestarmos nosso reconhecimento pelo trabalho de Gildo e por sua contribuição para o desenvolvimento dos estudos sobre idéias políticas no Brasil, entre outros campos a que ele se dedicou.

Aos que com ele puderam conviver e dele se tornaram amigos, como é o meu caso, será um momento para recordar os bons e velhos tempos de sempre, que não voltarão, mas também não serão esquecidos.

A programação e demais detalhes são os seguintes:

Gildo Marçal Brandão: itinerário(s)

19 de março, 14.00
Anfiteatro de História – USP
(Av. Lineu Prestes, 338 – Cidade Universitária)

I ° momento (14.00 - 14.45)
Abertura
Leitura das notas da aula
Comentário de um representante da banca

II ° momento (14.45 – 15.00)
Vídeo sobre Gildo Marçal Brandão

III ° momento (15.00 – 16.00)
Depoimentos

IV ° momento (16.00 – 16.30)
Manifestações de alguns dos presentes na homenagem.

Participantes
Bernardo Ricupero (USP)
Brasílio Sallum Jr. (USP)
Denis Bernardes (UFPE)
Élide Rugai Bastos (UNICAMP)
Francisco Weffort (USP/IEPES)
Gabriel Cohn (USP)
Gabriela Nunes Ferreira (UNIFESP)
Lucas Coelho Brandão (USP)
Luiz Eduardo Soares (UERJ)
Marco Aurélio Nogueira (UNESP)
Maria Alice Rezende de Carvalho (ANPOCS/PUC-Rio)
Maria Hermínia Tavares de Almeida (USP)
Otávio Velho (UFRJ)
Renato Lessa (UFF)
Rossana Rocha Reis (USP)
Vera Alves Cepêda (UFSCAR)

sábado, 13 de março de 2010

Entrevista: O encontro de Nabuco com a política


Devo ao jornalista Miguel Conde, do Caderno Prosa & Verso, de O Globo, a excelente entrevista publicada na edição de 13/03/2010 do jornal. Vou reproduzi-la abaixo, na expectativa de que isso ajude a fazê-la circular.

A entrevista, concedida por e-mail, foi feita tendo por base a segunda edição do meu livro sobre Nabuco: O Encontro de Joaquim Nabuco com a política: as desventuras do liberalismo, Ed. Paz e Terra, que acaba de chegar às livrarias.


“Apresentado originalmente como tese de doutorado na USP e publicado pela primeira vez em 1984, o livro de Marco Aurélio Nogueira é um marco nos estudos sobre a atuação política de Joaquim Nabuco e a configuração do liberalismo na sociedade brasileira. No livro, publicado agora em nova edição com um prefácio escrito por Cristovam Buarque, Nogueira mostra como o liberalismo é adaptado pelas elites políticas brasileiras para acomodar-se ao sistema escravista do país, e assinala a originalidade do abolicionismo de Nabuco dentro desse contexto.


Em que contexto e por que motivos o senhor decidiu estudar a relação de Nabuco com a política de seu tempo?

O estudo foi feito na primeira metade dos anos 1980, e desde então nunca mais deixei de me interessar pelo tema. Naquela época, era importante saber de que modo os liberais brasileiros participariam das lutas democráticas que se anunciavam no país, em oposição à ditadura. E um recuo no tempo mostrava-se sugestivo para compreender a questão em termos mais amplos.

Por sua vez, Nabuco era um personagem ainda não muito abordado pela pesquisa universitária, ainda que já gozasse de justa fama como intelectual e tribuno liberal. Valia a pena (como continua valendo ainda hoje) procurar compreendê-lo criticamente, vendo seus limites, suas virtudes, suas contradições – coisa que só poderia ser feita se se privilegiasse a relação dele com o seu tempo e as suas circunstâncias.

Havia também a campanha abolicionista – feita por ele e vários outros –, que foi um momento marcante na história brasileira, seja pelo que conteve de impulso reformador no plano social, seja pelo papel que desempenhou em nossa revolução burguesa, quer dizer, no processo que preparou o país para o capitalismo industrial do século XX. Talvez tenha sido o movimento que mais longe levou a promessa democrática e republicana de uma sociedade integrada por iguais cidadãos. Fracassou, ou não cumpriu todas as suas promessas, mas deixou uma marca no país. Era importante ver em que medida a luta pela redemocratização dos anos 1980 deitava raízes em outros momentos “épicos” da política brasileira.


Há uma constância das posições políticas de Joaquim Nabuco durante sua atuação pública? Como defini-las?

Nabuco foi liberal radical no abolicionismo. Pôs-se na “vanguarda da revolução burguesa” que se anunciava naqueles anos, como digo no livro. Mas ele era monarquista e, com a atenuação drástica das promessas da abolição e depois com a implantação da República, foi projetado para a margem da vida política. Talvez não tenha sabido lidar bem com isso, ele que se acostumara a ocupar o primeiro plano; recolhe-se e hiberna por uma década, período em que revê algumas de suas opções e reformula seu liberalismo. Torna-se mais conservador e é com essa bagagem que volta à diplomacia, no final do século.

Há uma sinuosidade evidente em sua trajetória, uma oscilação entre um liberalismo mais social, radical, e um liberalismo mais conservador. Mas não há dois ou mais Nabucos. O personagem manteve-se apoiado em eixos doutrinários consistentes, que lhe deram unidade e personalidade própria. Suas posições políticas acompanharam a sinuosidade da sociedade, tentaram traduzi-la, refletiram a preocupação de interferir nela, direcioná-la. Tanto que, após a abolição, Nabuco procurará fazer da política externa (o pan-americanismo) a sua principal trava de sustentação. Foi como se percebesse que o processo de construção do Estado, que passara pela reforma social, necessitava também de um reposicionamento do país na arena internacional.

A personalidade multifacetada de Nabuco jamais esteve solta no ar, arrastada pelas circunstâncias históricas ou por seus dilemas pessoais. Ela refletiu por certo tais dilemas e circunstâncias, mas esteve animada por um mesmo tipo de relação com o mundo e por uma mesma concepção ideal, que deram unidade e articulação à sua biografia. Existiu sempre um mesmo e único personagem, portador de um liberalismo suficientemente elástico para acompanhar as mudanças históricas sem perder coerência. Se houve radicalismo na primeira fase e conservadorismo na última, isso se deveu ao próprio padrão do liberalismo brasileiro, aos ritmos do processo social e aos desafios que se impuseram aos intelectuais e políticos do país.


Qual foi o significado, para Nabuco, da proclamação da República em 1889?

A República foi um jato de água fria em Nabuco. Ele acreditou até o fim que a abolição dos escravos carrearia largo apoio popular para a Monarquia. Não percebeu que os escravos estavam impossibilitados de agir para sustentar regimes, e que aqueles que podiam fazer isso eram precisamente os proprietários de escravos, que apoiaram a República para se “vingar” da Monarquia. Além disso, a Monarquia chegou exaurida a 1889, sem agilidade para acompanhar as mudanças sociais. Foi engolida pela dinâmica da vida, e Nabuco não conseguiu compreender direito isso.

Ele, no entanto, percebia com clareza que a República não poderia neutralizar o germe da fragmentação que atacava a sociedade, espalhada por um território muito grande e sem muitos pontos de coordenação e articulação. O novo regime, na verdade, para ele, seguiria o exemplo das demais repúblicas latino-americanas: acabaria por se oligarquizar. A história da Primeira República brasileira, de resto, não desmente isso, como sabemos.


De que maneira a figura de Joaquim Nabuco permite estudar o modo como se configurou o liberalismo no Brasil?

O abolicionista Nabuco tem muito que dizer sobre as questões e os dilemas com que nos debatemos hoje, em nossa República consolidada, antes de tudo sobre o modo como temos praticado a reforma social, e buscado construir uma sociedade que inclua de fato todos os seus integrantes. Ele foi abolicionista sem deixar de ser liberal, o que demonstra que liberais coerentes podem abraçar a questão social, ou ao menos não se omitirem perante ela. Terá sido Nabuco uma exceção, um liberal atípico, ovelha negra de uma família ideológica inteira que flutuou sobre as questões mais candentes da constituição da nacionalidade ou que as considerou exclusivamente en passant, sem o devido empenho e a necessária radicalidade? Ou sua própria sinuosidade reflete à perfeição as oscilações do liberalismo?

O modo como Nabuco abordou a questão social de seu tempo e buscou teorizá-la projetou-o para além do liberalismo, que sempre foi seu berço e sua estrutura mental. Fez de Nabuco um liberal social, ave rara neste universo tipicamente concentrado na defesa do indivíduo abstrato, de liberdades e direitos concebidos como atributos naturais a-históricos, portanto imprecisamente estabelecidos. Não deixaria de ser liberal, seria somente um liberal diferente, à frente de sua época e de seus companheiros de fé. Um personagem que tenderia a ser tratado como livre-atirador, um outsider, um estranho em sua própria cotterie.

No panteão dos grandes liberais brasileiros, Nabuco não figura com o destaque merecido, a não ser de modo bobamente apologético ou à custa de operações seletivas discutíveis, como a que elege sua trajetória posterior à abolição, seu monarquismo ou mesmo suas convicções pan-americanistas tardias como expressando o “verdadeiro” veio liberal de sua personalidade.


O que há de mais peculiar no liberalismo à brasileira?

Creio que é seu caráter espasmódico, ora sensível à agenda social, ora alheio a ela, uma corrente de idéias e valores inquestionavelmente decisiva na história nacional mas que não teve como desempenhar, entre nós, o mesmo papel revolucionário – forjador de um Estado aberto para a democracia e de uma comunidade composta por homens e mulheres iguais, livres e fraternos – que o projetou como verdadeiro esteio cultural da humanidade moderna. Nosso liberalismo, deste ponto de vista, é desventurado.


O senhor concorda com a noção de Roberto Schwarz de que no Brasil da época de Nabuco o liberalismo era uma "ideia fora do lugar"?

A expressão de Schwarz está consagrada, mas ainda comporta contínuas discussões. Não há, a rigor, ideias “fora de lugar”, e não creio que Schwarz tenha querido dizer isso com sua metáfora. O que há são ideias que, elaboradas num patamar específico da histórica universal (como o liberalismo), são obrigadas a sofrer ajustes e adaptações para continuar dialogando com os contextos particulares em que se busca adotá-las. O liberalismo teve de conviver com a escravidão no Brasil, fato que agredia um de seus principais preceitos. Como foi possível isso? Sacrificando parte da coerência da doutrina, que de certo modo terminou por ficar falseada. Poder-se-ia dizer que os liberais fingiram não ver aquilo que contradizia suas convicções ou que racionalizaram tais contradições, redefinindo seu peso relativo.


Essa configuração particular do liberalismo se mantém importante para pensarmos a política atual? De que maneira?

Mantém-se importantíssima, talvez até mais do que antes. A política brasileira atual não poderá prescindir dos liberais, mas não avançará se os liberais não ganharem vigor e coerência doutrinária. Se simplesmente continuar se reproduzindo o liberalismo espasmódico que tem prevalecido na história – ora impetuoso e reformista, ora indiferente e antidemocrático, em alguns momentos traduzido como liberalismo político, em outros aprisionado pelo laissez-faire –, a política como um todo sairá perdendo.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Uma vida inteira de amizade


Não sabemos bem de que modo nascem e crescem as amizades.

Sabemos que partem de pequenas e sucessivas aproximações, afinidades e contrastes que se atraem. Depois, ganham vida própria. Um belo dia, certas pessoas se convertem em parceiras do destino de outras. Incorporam-se à experiência delas.

São famosas as duplas, ou trios, ou quartetos, de amigos que se completam, se complementam e se negam a vida inteira.

Amizades também são feitas de silêncios, hiatos, distâncias, crises, brigas e esquecimentos. São humanas, dinâmicas, contraditórias, imperfeitas. Carregamos muitas culpas por falhas ou desatenções nesse terreno.

Há amigos de diferentes tipos, gêneros e graus. Amigos de parte da vida e amigos da vida inteira. Alguns que colam em nossa trajetória e com ela se confundem, e amigos que a acompanham mas não se envolvem. Há amigos e conhecidos. Todos nos causam sentimentos de afeição, ternura ou simpatia, sua presença ou lembrança nos agradam, ainda que possam também nos irritar em um ou outro momento. Muitos se tornam tão presentes e entranhados em nossa marcha que muitas vezes nem percebemos direito que eles existem, como se fossem uma paisagem especial ou um dado da natureza. Esquecemos algumas pequenas cortesias e certos gestos mais prosaicos de afeto e gentileza, por exemplo.

Tive a sorte e a oportunidade de ter amigos desse tipo especial. No dia 15 de fevereiro de 2010, morreu um deles, especialíssimo: Gildo Marçal Bezerra Brandão, professor do Departamento de Ciência Política da USP. Éramos tão amigos e fizemos tantas coisas em conjunto – coisas que se misturaram umas nas outras – que me sinto estranho ao tentar homenageá-lo nesse momento de tristeza e consternação.

Escrevi o artigo que aparece no post anterior para O Estado de S. Paulo. Gildo foi um intelectual e um militante da grande política que nunca torceu o nariz para a pequena política. Esse texto servirá de base para outro, que sairá na Revista Brasileira de Ciências Sociais, da qual Gildo foi diretor por 4 anos. Preparei também um pequeno artigo para a revista Lua Nova, do CEDEC, instituição em que Gildo jogava suas energias nos últimos tempos.

Somados, os textos terão algumas repetições, que espero possam ser relevadas. Foram escritos com a intenção de destacar uma trajetória de vida e uma obra que merecem ser conhecidas e preservadas.

No próximo 19 de março, sexta-feira, dia reservado para a conclusão das provas que dariam a Gildo o título de Professor Titular de Ciência Política da USP, haverá uma homenagem a ele, feita pelo Departamento de Ciência Política. Será no Anfiteatro da História, na FFLCH, a partir das 14 horas. Darei mais detalhes nos próximos dias.