Ao propor a união dos partidos e
instituições em torno de cinco pactos nacionais, a presidente Dilma agiu como
estadista e, pela primeira vez em seu governo e no de seu antecessor, desceu do
pedestal, convocou os políticos e conclamou-os a ir onde o povo está. Fez isso,
também, com a intenção inteligente de socializar os custos da operação política
com que se busca reagir aos protestos das ruas.
O problema é que o está dentro do pacote, o
detalhamento dos pactos. Faltou-lhe assessoria técnica. Faltou-lhe tempo,
também, já que a necessidade de agir com rapidez fez com que o pacote fosse
amarrado ás pressas e perdesse coerência.
O que era uma Constituinte exclusiva virou
repentinamente “plebiscito popular” sobre a reforma política. É uma fórmula
simpática, amigável para parte dos manifestantes e que bota pressão sobre parlamentares
e partidos. Ela poderia render muito para o governo e para o país.
Digo poderia
porque suspeito que não vá render.
Precisamos inquestionavelmente e com
urgência de uma reforma política e de uma reforma política que seja claramente
sancionada pela população, de forma a que entre na corrente sanguínea dela,
seja compreendida e assimilada por ela. Sem isso, continuaremos a patinar. Há,
porém, uma questão, que está a tirar o sono dos estrategistas, dos estudiosos,
dos juristas, dos tucanos, dos dilmistas e dos antitucanos: temos tempo e condições de fazer
algo sério sobre isso até agosto, como pretende Brasília?
Plebiscitos são processos de deliberação
simplificados, quase grosseiros, dado não admitir nuance. É binário: isso ou
aquilo. Imaginemos os 130 milhões de eleitores tendo de decidir se preferem “voto
distrital” ou “voto distrital misto”, financiamento público ou privado de
campanhas, “voto em lista” ou “voto personalizado” e outras questões mais.
Chegarão a alguma conclusão minimamente confiável? Prevê-se que
haverá uma campanha de 2 semanas para que as opções sejam defendidas ou
atacadas, para que se possa refletir sobre elas e entende-las. Não é de modo
algum um tempo suficiente.
Falo por mim.
Sou professor de Política há 40 anos e tenho passado boa parte da vida
discutindo política. Tenho debilidades crônicas no terreno dos detalhes do sistema
político, mas presto atenção aos debates, me esforço para compreendê-los, ouço
e leio com interesse meus colegas especializados. E confesso: não sei o que é
melhor para o país quanto a sistema político. Tenho palpites, mas
não é de palpites que se trata. Não há consenso sobre as regras sistêmicas que
deveriam prevalecer após uma reforma política. Se pusermos numa sala 10 cientistas
políticos – ou 10 deputados, ou 10 militantes democráticos, ou 10 petistas –,
teremos 10 versões diferentes. Nas ruas, o grosso da população não tem a mínima
ideia do que se trata. As pessoas podem fuzilar a tese do financiamento público
só porque acham que ela tirará dinheiro da saúde e da educação. Ou acabar com a
ideia de “lista fechada” só porque não querem mais partidos pela frente.
Como é então que poderão decidir? Com que
racionalidade? O debate público democrático que deve preceder a essa
ida às urnas simplesmente não existirá. Que esclarecimento público haverá
então?
Não quero ser pessimista nem ficar
agourando ou fazendo marola contra o governo Dilma. Desejo que ele acerte e
topo ajudá-lo e apoiá-lo para que faça isso. Mas acho que com essa proposta –
que tem impacto e compensa a lentidão com que se mexe na outros 4 pactos
(saúde, transportes, educação e economia) –não daremos nenhum passo à frente.
Correremos até mesmo o risco de irmos para trás ou de ficarmos a fingir que
estamos caminhando quando sequer saímos do lugar.
Visto das ruas ou visto do Estado, o
panorama é preocupante. O processo fugiu do controle e não há em Brasília e em
nenhum outro Palácio estadual ou municipal qualquer plano de ação confiável
para tentar manter o avião em boa altitude de cruzeiro.
A presidente tentou se vincular às vozes
das ruas e pôs um bode na pauta. Pode ser difícil tirá-lo daí.
2 comentários:
Muito interessante a frase: "Se pusermos numa sala 10 cientistas políticos – ou 10 deputados, ou 10 militantes democráticos, ou 10 petistas –, teremos 10 versões diferentes.", que faz uma diferença entre militantes democráticos e petistas!
Gostei e postei no Face.
É uma frase que descreve uma situação,Hercídia. A questão da reforma é complicadíssima e consensos não nascem prontos. Nesse caso, aparecerão, mas com dificuldades.
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