quarta-feira, 27 de julho de 2011

O turismo globalizado

Times Square, NYC, julho 2011
Com o final das férias de julho e a volta para casa de milhões de pessoas, arrefece um dos mais poderosos ramos de atividade do mundo atual, alavanca de múltiplos impulsos econômicos e socioculturais.
O turismo sempre foi forte e atraente. Com a globalização, as facilidades de conexão e deslocamento, o aumento da curiosidade e do interesse pelos “outros”, assim como com a maior circulação de informações, ganhou proporções gigantescas, a incorporar sempre novos protagonistas, provenientes tanto de grupos sociais emergentes quanto dos segmentos etários antes excluídos dos passeios internacionais. Tempos atrás só viajavam para fora do país pessoas “maduras”, com dinheiro no bolso e profissão garantida. Crianças pequenas e avós ficavam em casa, como que protegidas dos azares do mundo. Hoje o turismo se democratizou. Viajam todos, dos bebês à “terceira idade”, dos intelectuais às novas classes médias e aos empresários, muitas vezes em excursões temáticas especialmente desenhadas para acomodar distintos ritmos e expectativas. Há pacotes turísticos para todos os gostos e interesses: gastronomia, artes, compras, parques infantis, futebol, cinema, moda, decoração, ciência. Todo grande evento internacional inclui uma invariável “agenda social”, com a qual arrastam acompanhantes não diretamente envolvidos com as pautas principais.
O turismo tornou-se de fato uma indústria. Emprega centenas de milhares de pessoas, cria em torno de si inúmeras atividades, movimenta os negócios em escala global, produz riqueza material e intercâmbio cultural. Ainda que quase sempre centrado no lazer e no entretenimento, tem múltiplas implicações.
É evidente que tudo isso alterou o modo como se viaja, se usufrui e se absorve a experiência de conhecer outros lugares. Aeroportos e aviões abarrotados, com os aborrecimentos imagináveis, existem no mundo todo. Nas grandes metrópoles turísticas – Nova York, Roma, Paris –, a paisagem é tingida por filas até mesmo para se caminhar nas ruas. Um passeio a pé pela Times Square pode se assemelhar a um congestionamento nas Marginais de São Paulo. A multidão tornou-se onipresente, com impactos expressivos na indústria turística como um todo.
Museus imponentes e circunspectos precisam se adaptar para receber um público sempre maior, rumoroso, buliçoso e despreparado para seguir a etiqueta da visita-padrão. Restaurantes e lojas têm de ajustar preços e cardápios para atender à massa de gente necessitada de alimentos, desejosa de experimentar algo novo e com desmesurado apetite para comprar o que quer que pareça uma boa oportunidade ou que sirva como registro das particularidades do local visitado. Tais particularidades, bem como as tradições e o modo de vida dessas localidades, certamente sobrevivem e permanecem inscritas nas rotinas cotidianas dos moradores, mas são muitas vezes “ressignificadas” e precisam ser compartilhadas com os estrangeiros. Nenhum romano deixa de beber seu cappuccino, nenhum parisiense deixa de comprar sua baguette, nenhum nova-iorquino deixa de se estender para tomar sol nas gramas do Central Park, mas todos devem conviver com bandos de curiosos e imitadores. Muitos reagem com irritação, outros viajam para longe ou não saem de casa. Lugares menos conhecidos, fora dos roteiros, vinculados ao dia-a-dia que os turistas não veem, convertem-se assim em refúgios dos moradores, fortalezas de onde tentam defender suas cidades. Seja como for, é uma experiência coletiva de interação, ao sabor da qual o mundo se vai integrando culturalmente.
O turismo oferece a seus praticantes a oportunidade rara de apreciar in loco aquilo de que se ouve falar ou com o que se fantasia. Diminui a distância entre filmes, livros e vida real. É uma ferramenta de desmitificação. Devolve à realidade certos lugares-comuns dos relatos e conversas sobre os “outros”. O turista descobre, surpreso ou extasiado, que os argentinos admiram os brasileiros, que os franceses não são mal-humorados (embora alguns o sejam) nem os italianos são alegres e receptivos (embora muitos o sejam), que não há somente glamour em Nova York nem tristeza em Lisboa. A depender da profundeza social que alcança em sua viagem, pode descobrir também que o cotidiano é tão desgastante em Barcelona e na Filadélfia quanto em São Paulo ou no Rio de Janeiro, sobretudo para os grupos sociais menos favorecidos, obrigados a experimentar dissabores de todo tipo. Descobre, enfim, que os brasileiros não são melhores nem piores que os outros povos, que nossa economia não está tão racional e eficiente quanto dizem, que não somos os únicos a gostar fanaticamente de música e futebol, que nossas garotas de Ipanema são tão lindas quanto milhões de holandesas, tailandesas, espanholas, mexicanas, húngaras e chinesas.
O turismo globalizado nos ajuda a entender que a vida atual, independentemente de onde estivermos, equilibra-se entre a reprodução teimosa de certos ritos e tradições e a invenção frenética e permanente do cotidiano, flutuando entre o sólido e o fluído. Mostra que a crise não perdoa ninguém, seja no plano econômico-social, onde faz com que homeless e desempregados desmintam a estabilidade e a segurança, seja na sociabilidade, onde faz com que surjam novas práticas e condutas que estremecem rotinas e tradições.
O turista que se dedica a observar mais atentamente os locais que visita descobre, assim, que a realidade é feita mesmo de essência e aparência, que nem tudo é o que parece. Pode perceber, então, que a “festa” de que participa na Quinta Avenida ou na Fontana de Trevi desaparece num piscar de olhos quando vai ao Queens, ao Bronx ou às periferias romanas e parisienses. A rigor, ele não tem nada a ver com isso. Viaja para descansar e se divertir, não para fazer análises sociológicas. Mas acaba por voltar para casa com uma nova chance de refletir sobre o mundo em que vive. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 23/07/2011, p. A2]